Entraves

- Eu tô cansado, cara. Sabe, eu já me perdi tanto de mim nessas trilhas da vida, já me metamorfoseei em tantas coisas para me adaptar... Adaptar ou encaixar? Ah, não sei... é diferente, será? Enfim, para me adaptar ao que estava na minha frente que eu olho pra mim e não sei o que é meu, o que foi mexido, o que eu construí, o que construíram em mim... Viver é isso mesmo? 

- Não, não acho que seja. Acho que vida é troca. E nessa troca, às vezes a gente soma, às vezes subtrai, às vezes multiplica. Às vezes joga fora algo que não era tão legal e aprende uma nova forma e às vezes aprimora o que gente já tinha. Mas sabe, meio que num equilíbrio, saca?

-Ah, bicho! E tu vai me dizer que a gente consegue separar até onde é equilibrado e quando a gente já passou do limite do que é caro pra nós? Pffff, conta outra! A gente jura de pé junto que não tá se sabotando. Que não tá mudando pra tentar suprir a um ideal externo. Que tá fazendo tudo em plena consciência. A gente aperta o botão na mente "estou ciente e quero continuar" igualzinho faz nos sites: leu porra nenhuma dos termos, só quer passar pro próximo nível.


- Não, cara. Tu tem que ter o mínimo de senso de conhecimento pessoal, pô. Senão tu te perde...

- Mas não é isso que tô falando, pô? A questão é cadê esse conhecimento? Como é que a gente tateia o que de fato é nosso? Pode ver,  só depois que o caldo entorna que tu vai ver os limites que tu ultrapassou, a pessoa que tu tentou ser... Ah, eu tô exausto... Exausto de nem sequer saber quem sou eu mesmo no final das contas. 

- Acho que a gente é tudo isso aí, sabe. Não dá pra separar. A gente é a síntese disso tudo, de todos os processos pelos quais passamos, os bons e os ruins. Às vezes a gente se perde mais, às vezes menos... Tem coisa que custa mais da nossa reserva de energia, da nossa capacidade de se flexibilizar. Sabe, tipo uma mola!

- Mas tu sabe que até a mola tem um limite, né? Um limite que aguenta ser deformada e retornar à sua forma original. Quando passa disso, crec, deforma e não volta mais.

- Mas quem sabe aí não seja uma coisa tão ruim não voltar ao seu estado original né. É uma nova forma de existir...

- Uma nova forma que não tem mais a serventia que se propunha, idiota! Pra que serve uma mola deformada?

[silêncio]

- Sei lá, cara. Quem disse que tem que ter uma serventia? A gente não é mola. Não é objeto com uma finalidade.

- Quem fez a comparação com mola foi tu primeiro.

[mais silêncio]

- Viver não tem manual. É isto. E sabe, a gente não tem que entender nada não. A vida não faz sentido, ela faz sentir. Põe um passo atrás do outro e segue, cara, o negócio é seguir. A vida muda todo dia, não tem como achar lógica nisso.

- A vida faz sentir...

domingo, 2 de junho de 2019

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