Ela sentou no chão úmido da chuva que caíra no final da tarde. Em um momento longínquo na memória, encontrou a vaga lembrança de tempos em que havia sentado no mesmo local, da mesma forma. Nesses tempos, colocava a mão na terra fofa e molhada, com alguns resquícios de grama, e deslizava lentamente sentindo as texturas avançando por entre os dedos, deixando-se invadir por esse toque e também pelos cheiros. Pouco a pouco, as sensações que começavam apenas como meros reflexos físicos se tornavam emoções mais complexas, encadeadas, robustas, que faziam com que lembrasse de que, apesar todas as atribulações, estava viva. Sentia - sempre e muito - e isso lhe era a coisa mais preciosa, era aquilo que a marcava como quem era.
Agora, porém, parecia haver um invólucro que a fechava a vácuo.
Com esforço, agarrou a terra com força suficiente para que entrasse por debaixo das unhas, trouxe um punhado até as coxas e começou a esfregar o substrato contra a pele. Entre terra e grama, havia também pequenas pedras. Empregou mais força nas mãos quando finalmente sentiu, quase como um leve sopro de tão sutil, a lágrima descendo pelo rosto. As pedras agora passaram a ferir a pele, levemente, e apesar de ver o sangue brotando em pequenos pontos, ela não sentia dor. O choro tornou-se mais profuso e ela se engasgou um pouco, finalmente experienciando minimamente algum sentimento - mesmo que físico.
Não sabia dizer em qual parte do caminho se perdeu aquela menina que muito sentia e por isso vivia. Estava morta, talvez. Não talvez, definitivamente estava morta. Passou a caminhar sobre a vida de um jeito automático, quase como uma folha sendo levada pelas águas de um rio. Ou ainda, como se um belo dia tivesse sentado no vagão de um trem e de lá passado a observar as paisagens pela janela, sem a perspectiva de um dia tocá-las e nem conseguindo absorvê-las em totalidade - dependendo da velocidade do trem, elas viravam um borrão difuso. Os cortes nas coxas começaram a arder e ela fechou os olhos, respirando fundo e tentando sentir o cheiro da terra. Só sentiu o mais ácido e denso desespero.
Na verdade, pensou melhor, talvez tivesse noção do que a levara para aquele estado de profunda letargia. Lembrou-se de seus sentimentos ferozes e de como as pessoas ao seu redor não estavam em sua mesma frequência. E de como isso tudo a machucou a ponto de compreender que era melhor fechar-se. Ela era uma espécie de avalanche - por mais hipnotizante que pudesse ser e tivesse lá sua beleza, devastava tudo por onde passava, deixando só gelo e destruição.
O choro esvaiu o resto de suas forças e ela deitou, encolhida, sob seus próprios escombros.