Requiem


Era um daqueles dias de cor amarga.Enquanto amarrava seus cadarços, parou pra verificar que naquele dia não tinha acordado nem um pouco vermelho por dentro.Estava, sim, recheado e coberto por um cinza ácido.

O lado direito e vazio da cama exalava um cheiro de dor e solidão que o estava sufocando. Abriu as janelas para ventilar o quarto e só então percebeu que as paredes também exalavam tristeza, uma tristeza lilás densa e pegajosa.Jogou o casaco nos ombros e saiu do apartamento.

No caminho para o café, lembrou-se de que 24 horas antes, seus lençóis emanavam um perfume rosa chá sutil marcante e as paredes cantavam realização e plenitude.Agora, as pedras da calçada gritavam frustração e vacuidade.Pôs as mãos no bolso para se proteger da névoa gelada de insegurança que pairava por sobre ele, encolheu os ombros para se proteger do frio cortante da dúvida e apertou o passo.

Já na mesa tomando um chocolate quente, ouvia a melodia absurdamente laranja que os casais ali próximos cantavam em seus sorrisos. Viu-se irritado com aquela ousada alegria açucarada alheia e envergonhou-se com isso.

Ele procurou pensar alguma coisa boa, ter um daqueles pensamentos com um gosto amarelo reluzente mas só o que conseguiu foi leve cheiro de açúcar mascavo.

Era um daqueles dias azedos em que se acorda com só um olfato monocromático quando se tinha dormido com um tato multicolor, que abre os olhos inverno quando tinha dormido primavera.


Inverno.

No dia em que fui mais feliz eu vi um avião
Se espelhar no seu olhar até sumir.
De lá pra cá não sei
Caminho ao longo do canal,
Faço longas cartas pra ninguém e o inverno no Leblon é quase glacial.
Há algo que jamais se esclareceu: onde foi exatamente que larguei naquele dia mesmo
O leão que sempre cavalguei?
Lá mesmo esqueci que o destino sempre me quis só
No deserto sem saudade, sem remorso só,
Sem amarras, barco embriagado ao mar.
Não sei o que em mim só quer me lembrar
Que um dia o céu reuniu-se à terra um instante por nós dois,
Pouco antes de o ocidente se assombrar .

Inverno - Adriana Calcanhotto

segunda-feira, 16 de março de 2009

8 Comments:

Camila said...

Ai, eu adoro essas coisas com cores, tu sabes e com esse não foi diferente (grande novidade, né? hehe): adoooooooorei, Mai.

E a música? Tudo.

Beijo.

Juliana CBF said...

Como sempre belíssimo!
Eu estou na fase do tato multicolor... Nada de lilás, nada de amarelo, nada de azedo... Apenas o doce rosa-chá!

Gabriela Castelo said...

Minha amiga tão inteligente, meu orgulho *--*

Graças a Deus, voltaste à ativa né?
O Blogger já tava ficando sem graça!

Ameeeeeeeeeiii o texto.

Adoro coisas 'cinzentas'

*_______________*

Saudadeeeeeeeeeeeeeeeeeees!

Menina da Lua said...

Acho que é a terceira ou quarta vez que leio teu texto e fico sem palavras para descrever, ou para, em poucos, buscar um reconforto para as tuas palavras mas nada encontrei. Agora entendo. A sintonia do rádio, naquela chiadeira, transcrevia o teu cinza em minhas miudezas. É tão ruim essa sensação de impotência de segurar a sensação de "realização e plenitude". Acho que bem por isso não tive palavras a dizer, encontrava diante dos meus olhos a descrição exata do meu momento.
Que os cinzas e as miudezas possam passar depressa, para ambas! Beijo; Menina da Lua.

Ps.: Pode se refugiar apenas na melodia dele. =)

ImaGINE said...

Nme sei o q dzr...
to numa época de vacas magras tbm
te amo
beejo

O Eu Flor que sonha. said...

Perfeito *-*
e a música,tão linda ;)

;***

Kika Macedo said...

Eiiii floor!!!
Voltei viu, consegui recuperar meu blog.

oo/

hsuahsusuashas

saudaaades de tu, e dos seus posts.
tá na hora de dar uma geral aqui hein.

;)

bjo

Unknown said...

Como eu gosto desta canção da Adriana.....
Gostei do blog.
Um abraço

 
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