Fênix

30/12/09

Minhas palavras, aquelas que te cuspi na cara com sangue, raiva e amor ferido, tu recebeste com um doentio sorriso do mais puro sádico escárnio. Pior do que isso, numa fração de segundo depois tu transformaste esse escárnio em sádica satisfação.
Ao me expor pra ti, ao me admitir infestada da pior forma possível pelo veneno pegasojo a que tu chamas teu encanto,o primeiro brilho que transpassou teus olhos e reverberou no teu sorriso foi o do mais pleno triunfo, a mais profunda satisfação, o mais doce orgasmo psíquico diante da minha impotência.Perversa, é isso que tu és.Simples, seco e cru assim, nada além disso:Perversa. Você não merece a minha dor.

"Pus o meu sonho num navio
e o navio em cima do mar;
- depois, abri o mar com as mãos,
para o meu sonho naufragar

Minhas mãos ainda estão molhadas
do azul das ondas entreabertas,
e a cor que escorre de meus dedos
colore as areias desertas." (*)




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08/05/10

Eis que entra na Rua Das Ilusões Perdidas um homem. Ou Aquilo-Que-Restou-De-Quem-Um-Dia-Foi-Feliz, como foi rebatizado ao atravessar os limites daquela rua estreita e íngreme.
Passou a mão calejada pelo rosto duro, amaciou a barba por fazer e,lentamente,caminhou pela subida que os olhos não alcançavam o fim.Quando seus pulmões enegrecidos de cigarros baratos já ardiam feito brasa pelo esforço em demasia e o frio entrecortante, avistou o que parecia ser um bar.Entrou.
Em contraste ao ambiente em volta, sombrio, frio e incontestavelmente miserável, o bar era bonito,arrumado, luminoso e emanava uma espécie de aura quente e reconfortante. Seus ocupantes, por outro lado, pareciam vestir uma couraça pesada,feita com suas próprias dores. Andavam curvados,eram magros,mal cuidados e seus olhos fundos traziam toda a tristeza do mundo. O homem enfiou as mãos nos bolsos do casaco e sentou em uma mesa ao fundo.Algumas doses de vodca mais tarde,viu-se conversando com uma mulher:

- ... quem diz que é difícil abrir novas portas na sua vida está mentindo. Não é difícil, achar novos caminhos, abrir portas, olhar pra novos desafios e condutas. Pode ser até trabalhoso, mas não é exatamente difícil. Difícil é sair daquele caminho que já te sugou todas as forças, fechar a porta que dá acesso a ele, jogar a chave fora e, de fato, seguir por um outro caminho – não só olhar pela porta aberta.Isso é difícil e honroso.
- E você já jogou sua chave fora?

Ele encarou a mulher, visivelmente mais velha, com suas feições magras, frágeis,fundas e sujas. Sentiu o próprio rosto afundando lentamente e os ossos pontudos a machucarem a pele.

- É o lugar. Quem vai se entregando vai sendo consumido por ele. Ele se alimenta de esperança.Olhe só para você... dá pra farejar o restinho dela que ainda resta em ti. Vá embora, logo. Antes que você sinta que pertence a esse lugar. Quando sentir que você pertence às coisas rasteiras e sujas, delas você já será objeto, já fará parte desse ninho fétido.
- E o que você ainda faz aqui?
- Eu já pertenço à dor. Corre, te resta pouco tempo.


O homem levantou-se da mesa, sentindo as pernas pesarem feito chumbo. Com esforço, se arrastou até a saída, com o ar a queimar-lhe os pulmões. Lá fora, caiu na calçada suja respirando aliviado a brisa fresca que corria,chorando profusamente.Apenas muito tempo depois juntou forças, levantou e caminhou para os limites da Rua. No peito, apenas a vaga esperança de encontrar na saída, uma mão que o guiasse.





(*) Cecília Meireles - Canção [trecho]

domingo, 25 de julho de 2010

 
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