Andava com as mãos dentro dos bolsos, os ombros encolhidos, expressão confusa no rosto - não fazia idéia de onde estava. Parou e ficou vendo a própria respiração condensar-se, cruzando os braços para tentar afastar o frio. Foi aí que ouviu um barulho, um leve ruído de coisas se chocando.Apurou os ouvidos e olhou em volta.
À sua esquerda viu um homem sentado. Trazia nas mãos um objeto cilíndrico que ele olhava como uma luneta. O barulho vinha dele, de cada vez que o tal homem girava o artefato nas mãos, sem tirá-lo do olho. Chegando mais perto, ia perguntar o que era aquilo e onde estava quando uma voz feminina lhe falou.
"É um caleidoscópio."
Sobressaltado com a súbita aparição, abriu a boca pra falar mas não conseguiu.
"Um dia, ele olhou no caleidoscópio a imagem mais bonita de toda a sua vida. Emocionado, tremeu as mãos. A imagem se desfez em outra, diante dos seus olhos.Agora ele está aí... em busca da tal imagem."
Ele olhou para o homem que estava sentado:o cansaço pesava-lhe nas costas e nos vincos do rosto. Voltou a atenção para o caleidoscópio. Percebeu uma minúscula fenda na madeira, por onde escapavam pequenos fragmentos coloridos de alguma coisa.
"Sim, o caleidoscópio tem uma fenda.Mas ele não percebeu ainda, pois não o tira dos olhos. E sim, ele nunca vai reencontrar a imagem. O caleidoscópio está incompleto.Mas ele não percebe. Não enxerga a diferença nos padrões das imagens. Não percebe a ausência de alguns tons. Só tem na mente aquele único quadro.Idéias fixas...às vezes são um baita problema."
Ele ajoelhou-se ao lado do homem e estendeu a mão para tocar-lhe o ombro.
"Você não pode fazer nada a respeito. Ele nem ao menos sentirá seu toque. A vida dele agora pertence a esse cárcere: o caleidoscópio incompleto. Agora levanta e acorda desse sonho. Sou sua consciência e asseguro: esse homem está perdido. Vá."
Abriu os olhos e abafou o grito com o travesseiro.Ele era o homem do caleidoscópio.
imbigo
Há 3 anos